quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Anda Tudo Parvo

“Anda tudo parvo”, assim define um amigo a situação que vivemos. Acrescenta “como o Governo”, nisso discordo. O nosso governo tem um projecto e segue com determinação obstinada o seu rumo.
Apesar de tudo persistem no nosso quotidiano situações de contradição e paradoxo difíceis de compreender. Recentemente o senhor Presidente vetou uma lei que previa o fim do voto por correspondência dos nossos emigrantes. Curiosa lei que retira mais um direito àqueles que durante décadas foram a mão salvadora da nossa balança de pagamentos, assegurando com as suas remessas que a falência do país não chegasse mais cedo. Fecharam-se delegações consulares, mantiveram-se na instabilidade os trabalhadores de consulados e embaixadas, delapidou-se o erário público alugando instalações, a peso de ouro, em zonas prestigiadas das capitais do mundo, quando a compra desses edifícios seria infinitamente mais vantajosa. O Ministério dos Negócios Estrangeiros teve sempre destes negócios. Quando as recentes eleições regionais dos Açores revelaram uma abstenção de 53,24 por cento, não conseguimos compreender o sentido ou a preocupação dos nossos excelsos legisladores. Então não haveria lugar a tornar mais fácil a participação dos cidadãos? Num tempo em que se declaram impostos, se obtêm registos automóveis e, milagre dos milagres, até já toda a documentação predial começa a ser tratada num ápice fruto do maravilhoso mundo novo da internet, como compreender que os representantes do povo não se empenhem em representar o povo com um mandato que lhes seja efectivamente conferido por todo o povo? Ensina a História, a quem se dá a esse trabalho, que sempre que um povo se alheia do seu destino, haverá também oportunistas que desvirtuam a dimensão ética das suas funções de representação.

Claro que podemos ficar tranquilos quando temos o parlamento polvilhado de deputados sem medo, insensíveis a pressões, às erradas, claro, às de cidadãos eleitores. Deputados de psitacismo célere e servil, repetindo, pressurosos, as palavras do caudilho do momento. É de tal forma evidente que de nada serve elegermos duzentos e trinta deputados quando a disciplina de voto leva a vastíssima maioria a levantar o “derrière” da cadeira ao toque de apito dos capatazes de serviço. Para este espectáculo lastimável bastariam cinco deputados, cada um valendo o número de votos expressos em eleições. Que poupança, que ajuda para o equilíbrio das finanças públicas.
A propósito lembremo-nos de Camões e do Canto IV dos Lusíadas:

"—Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
[...]
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!”

Prof. M. Rocha Carneiro
In O Ilhavense de 10-02-2009

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